Publicada em 29 de setembro de 2025
Feitas as ponderações iniciais, e respeitado o fato de que não é possível prever o que pode ser implementado (como, quando e se haverá mudanças tributárias que impactem a atual isenção de distribuição de lucros e dividendos por pessoas jurídicas brasileiras), destacaremos as principais disposições do projeto de lei (PL) nº 1.087 que tramita na Câmara dos Deputados e do PL nº 1.952 que tramita no Senado. Os dois projetos se conectaram substancialmente em setembro de 2025 na medida em que convergiram para propostas similares nas versões existentes nessa data.
O PL nº 1.952, na sua origem, estava na linha de conectar a eliminação da atual isenção de IR sobre a distribuição de lucros e dividendos, prevista no artigo 10 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, com uma redução da carga tributária corporativa na geração do lucro em si, na figura dos tributos do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Além disso, esse PL previa também outras alterações, como a eliminação da dedutibilidade de juros sobre o capital próprio da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Já o PL nº 1.087, alinhado com o poder executivo, tem como foco principal o IR das pessoas físicas, ampliando a faixa de isenção desse tributo para atingir os rendimentos da maioria da população brasileira, sendo essa renúncia de receita suportada por um acréscimo de arrecadação advinda do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas Mínimo (IRPFM), que seria aplicada a um grupo reduzido de pessoas físicas, além da previsão de IR na fonte de 10% sobre lucros e dividendos. A intenção é ter um mecanismo a partir de 2026 de melhor redistribuição da renda, sendo o projeto rotulado pelo Governo e pelos meios de comunicação como a taxação dos super ricos.
Como o PL nº 1.087 teve destaque importante como mecanismo de tributação mínima e mudança na tributação dos lucros e dividendos, o PL nº 1.952, na sua versão de setembro de 2025, basicamente replicou as principais disposições, com diferenças pontuais. Na prática, essa convergência dos projetos provoca uma corrida política de tramitação entre as casas legislativas e pressiona o andamento do PL nº 1.087 da Câmara dos Deputados.
Por ter sido apresentado primeiro e com suporte do executivo, a identificação dos principais pontos do IRPFM e de IR dos lucros e dividendos nesse breve estudo seguirá o PL nº 1.087, com notas para o PL nº 1.952, quando pertinentes.
Vale ainda destacar que a proposta como apresentada pode impactar de forma sistêmica toda a carga tributária de uma cadeia societária. Como benefícios, eficiências e deduções fiscais podem reduzir a tributação máxima das pessoas jurídicas, parte desses efeitos econômicos positivos podem ser comprometida pela tributação do IRPFM e do IR de lucros e dividendos. Ou seja, apesar de o IRPFM e o IR de lucros e dividendos ser devido por pessoas físicas, veremos que a análise do impacto acaba sendo muito mais ampla, atingindo economicamente todo o efeito de tributação da cadeia das pessoas jurídicas pagadoras dos lucros e dividendos correspondentes.
Tributação na Fonte dos Lucros e Dividendos
Como mencionado, há duas frentes importantes de exigência de tributação no PL nº 1.087: o IR de fonte de lucros e dividendos e o IRPFM.
Com relação ao IR de lucros e dividendos, o PL introduz o artigo 6º-A à Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, determinando que, a partir do mês de janeiro de 2026, o pagamento, o creditamento, o emprego ou a entrega de lucros e dividendos por uma mesma pessoa jurídica a uma mesma pessoa física residente no Brasil em montante superior a R$ 50.000,00 em um mesmo mês fica sujeito à retenção na fonte do IR à alíquota de 10% sobre o total do valor pago, creditado, empregado ou entregue.
Prevê ainda que, não se sujeitam a essa incidência, quando relativos a resultados apurados até o ano-calendário de 2025, os lucros e dividendos cuja distribuição tenha sido aprovada até 31 de dezembro de 2025, e sejam exigíveis nos termos da legislação civil ou empresarial, desde que seu pagamento, crédito, emprego ou entrega ocorra nos termos originalmente previstos no ato de aprovação. Essa previsão de exclusão não estava na redação original do PL, tendo vindo para tentar acomodar o desconforto causado com relação à preservação da isenção atual de IR para os lucros e dividendos que fossem apurados antes da nova exigência de tributação.
Ainda que a garantia da isenção pela geração do lucro não seja evidente para todos e a redação apresentada gere algumas incertezas quanto ao momento da formalização da deliberação da distribuição dos lucros anteriores a 2026 e a obrigatoriedade do seu pagamento, fato é que a inclusão da regra deve ser vista de forma positiva e as pessoas jurídicas, de forma prática, podem se organizar para obter a isenção desses lucros para seus acionistas sem que tenham que enfrentar discussões mais acadêmicas para defender a isenção.
As autoridades fiscais provavelmente têm a visão de que a tributação se aplica conforme a regra vigente no momento em que os lucros são distribuídos. Logo, para mitigar discussões, ou os lucros são distribuídos e pagos até 31 de dezembro de 2025 ou seguem a disposição do PL de aprovar a distribuição e seguir os termos previstos na deliberação e as normas societárias aplicáveis. Será mais prudente, evitar aprovar a distribuição de dividendos de lucros anteriores a 2026 com pagamento diferido; ter certeza que os trâmites de competência societária foram cumpridos e ter no ato societário os prazos e condições de pagamento compatíveis com a regra de transição e com a prática societária usual.
Em algumas situações de ausência de caixa, as pessoas jurídicas podem também avaliar, com cautela, estruturas alternativas, como levantamento de caixa para concluir o pagamento da distribuição ou mesmo capitalização dos lucros para posterior redução de capital.
Feitas essas ponderações, deve-se ainda ponderar que o IR de lucros e dividendos está conectado totalmente com o IRPFM, também introduzido no PL. Como veremos, os valores de lucros e dividendos, de forma geral, estão incluídos no cálculo do IRPFM, assim como o IR retido pode ser deduzido do IRPFM apurado.
Importante, portanto, olhar o IR na fonte dos lucros e dividendos como uma antecipação do IRPFM, sendo fundamental entender como ele é apurado e devido.
A Introdução do IRPFM
O IRPFM, como previsto no PL nº 1.087, é um tributo cuja aplicação ocorre quando cada pessoa física residente apura o IR devido por meio da elaboração da sua Declaração Anual de Ajuste (DAA), sendo iniciado a partir de 2027, referente ao ano calendário de 2026. É no momento da DAA em que todos os rendimentos e ganhos são consolidados e o IRPFM é apurado.
Para facilitar a compreensão do IRPFM, o seu mecanismo de apuração deve ser analisado em fases, envolvendo a identificação dos contribuintes sujeitos a essa tributação, a definição da base de cálculo e alíquota e apuração e dedução de alguns valores de IR já recolhidos. Ainda que alguns tenham uma visão de que o seu cálculo é demasiadamente complexo, quer me parecer, de forma geral, ser um cálculo mais objetivo.
Ainda, a escolha em usar a DAA como momento de apuração é também apropriada, seja porque todas as informações já estão acessíveis e identificadas para a elaboração da própria DAA, seja por termos no Brasil uma ferramenta de preenchimento da DAA muito automatizada, com tecnologia suficiente para até apurar o IRPFM automaticamente. Lógico que não devemos ignorar que o IRPFM exige algum detalhamento adicional de informações, além de gerar algumas dificuldades vinculadas à conexão das informações das pessoas jurídicas pagadoras dos lucros e dividendos, mas parece ser um processo bastante viável e que alguns aprimoramentos no sistema da DAA podem também vir a facilitar o processo de apuração.
De pronto, deve-se considerar como potencialmente sujeita ao IRPFM a pessoa física com rendimentos no ano-calendário maiores que R$ 600.000,00. Note-se que, se a soma dos rendimentos for igual ou superior a R$ 1.200.000,00, a alíquota será de 10%; já para a soma dos rendimentos superior a R$ 600.000,00 e inferior a R$ 1.200.000,00, a alíquota evolui linearmente de zero a 10%, conforme a fórmula prevista (alíquota % = (rendimentos/60000) – 10).
Para a definição de quais rendimentos devem compor a soma para verificação da alíquota e definição da base de cálculo, a versão atual do PL nº 1.087 determina que: deve se incluir todos os rendimentos e ganhos recebidos, inclusive aqueles tributados exclusivamente na fonte e os isentos ou sujeitos a alíquota zero, com algumas exceções, como a parcela isenta da atividade rural, os ganhos de capital que não sejam oriundos de operações em bolsa sujeitos à sistemática de ganhos líquidos, os rendimentos recebidos acumuladamente e tributados exclusivamente na fonte, as doações em adiantamento de legítima ou herança; os rendimentos de contas de depósitos de poupança; a remuneração produzida por certos títulos isentos, como letras de crédito imobiliário, certificados de recebíveis imobiliários, certificados de depósito agropecuário, cédulas de produtor rural, debêntures de infraestrutura, cotas de fundos de investimento imobiliário e de cadeias produtivas agroindustriais, dentre outros.
Merece destaque a exclusão também dos lucros e dividendos relativos a resultados apurados até o ano-calendário de 2025 quando a distribuição tenha sido aprovada até 31 de dezembro de 2025, desde que seu pagamento, crédito, emprego ou entrega tenha ocorrido nos termos originalmente previstos no ato de aprovação. Essa disposição segue a tentativa de permitir a isenção atual, na linha da regra do IR na fonte mencionada antes.
Com a determinação da base de cálculo e da alíquota, o IRPFM é apurado multiplicando-se a alíquota correspondente pela base de cálculo e descontando-se em seguida uma série de deduções de Imposto de Renda: IR apurado na DAA pela tabela progressiva, IR retido exclusivamente na fonte sobre rendimentos incluídos na base do IRPFM, IR sobre rendimentos do exterior, IR pago definitivamente sobre rendimentos que compõem a base e não foram considerados nas demais deduções. Além disso, um elemento de dedução adicional é o redutor vinculado à carga tributária efetiva da pessoa jurídica pagadora dos lucros e dividendos recebidos, conforme comentado adiante.
Após todas essas deduções, ainda se abate do valor devido o IR de 10% retido na fonte sobre os lucros e dividendos, que funciona então como uma antecipação do IRPFM. É nesse momento que o IR de fonte e o cálculo do IRPFM se conectam totalmente. Ou seja, o efeito final de como será a carga tributária de lucros e dividendos para determinada pessoa física vai depender da composição dos seus rendimentos e de como estes são tributados; e de como foi a tributação na pessoa jurídica geradora dos lucros.
O redutor, portanto, é um dos pontos centrais do IRPFM. O objetivo desse mecanismo do redutor é evitar que a soma da tributação sobre o lucro na pessoa jurídica e do IRPFM ultrapasse determinados limites, estabelecidos, por exemplo, em 34% para a maioria das empresas, 40% para seguradoras, empresas de capitalização e instituições financeiras não bancárias, e 45% para bancos.
O cálculo do redutor considera a alíquota efetiva da pessoa jurídica (obtida pela razão entre os valores de IRPJ e CSLL devidos e o lucro contábil antes dos tributos) e a alíquota efetiva do IRPFM na pessoa física (calculada pelo acréscimo do imposto mínimo decorrente da inclusão dos lucros e dividendos na base, dividido pelo valor dos lucros e dividendos recebidos). Caso a soma dessas alíquotas efetivas ultrapasse o limite nominal, o excedente é convertido em um redutor, abatendo-se do IRPFM devido.
A vinculação da carga tributária ao lucro contábil e à apresentação das demonstrações financeiras das pessoas jurídicas reforça a importância, cada vez maior de os controles e as informações contábeis terem muito mais qualidade. Desde a Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, que modificou a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 – Lei das Sociedades por Ações (LSA), e introduziu no Brasil um padrão contábil internacional, baseado nas normas emitidas pelo International Accounting Standard Board (IASB), denominadas International Financial Reporting Standards (IFRS) e refletidas no Brasil por meio dos pronunciamentos do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), as pessoas jurídicas possuem desafios em adequar suas demonstrações financeiras para esse padrão contábil mais sofisticado. O IRFPM, assim, será mais um motivo para exigir a qualidade dos registros contábeis, mostrando o seu papel essencial na análise tributária e na forma e no critério de contabilização das operações.
Ainda, conceitualmente, o mecanismo parece inteligente da perspectiva do Governo, pois sem mexer necessariamente na redução das alíquotas de tributação corporativa como previa projetos legislativos anteriores, ou mesmo sem limitar diretamente alguns regimes benéficos realizados apenas nos controles fiscais, a conexão com a tributação corporativa da renda permitiu favorecer as pessoas físicas cujas pessoas jurídicas já tenham uma carga tributária mais elevada e onerar as situações que buscam regimes ficais mais vantajosos, como o lucro presumido.
Porém, o cálculo desse redutor deve ser o elemento mais desafiador e complexo de todo o cálculo do IRPFM. Embora importante para evitar sobreposição de cargas, o mecanismo exige o acesso a dados contábeis detalhados e o cálculo de alíquotas efetivas tanto na pessoa jurídica quanto na pessoa física, o que pode aumentar a complexidade do cumprimento das obrigações fiscais e a definição do redutor.
Parece estar aqui a questão a ser mais aprimorada do PL. Se as próprias autoridades fiscais encontrarem formas de informar às pessoas físicas a carga efetiva das pessoas jurídicas, mais viável será a apuração do IRPFM. Teoricamente, dado o volume de informações eletrônicas e obrigações acessórias submetidas e incluídas no sistema da Receita Federal do Brasil, é bem possível que o cálculo do redutor seja fornecido para as pessoas físicas. Outra possibilidade seria as próprias pessoas jurídicas passarem a informar em informes de rendimentos, por exemplo, a carga tributária efetiva vinculada aos lucros e dividendos distribuídos. Enfim, é um elemento a ser melhor avaliado no contexto do PL.
Reflexões Finais
Vale ainda breve reflexão comparativa desses pontos do PL nº 1.087 com o contexto internacional.
Em muitos países da OCDE, por exemplo, a renda de capital é tributada em dois níveis: primeiro na pessoa jurídica e, posteriormente, na pessoa física. O Brasil, desde 1996, adota um regime de exceção, ao conceder a isenção total de lucros e dividendos e tributar os lucros exclusivamente no nível das pessoas jurídicas.
A experiência internacional mostra que a soma da carga tributária sobre o lucro corporativo e sobre os dividendos distribuídos ultrapassa 40% nos países desenvolvidos, sendo comum a adoção de mecanismos para evitar a dupla tributação integral, como créditos ou deduções parciais. O PL nº 1.087, ao estabelecer um teto, em regra, de 34%, para a soma da tributação na pessoa jurídica e na pessoa física, busca alinhar o Brasil a esse padrão internacional, mas ainda mantém a carga agregada em patamar inferior ao de muitos países desenvolvidos. Mesmo assim, uma das discussões é que a tributação dos lucros e dividendos posa gerar retenção de lucros nas empresas para evitar a tributação, o aumento da litigiosidade em torno de distribuições disfarçadas de lucros e um potencial desestímulo à distribuição de dividendos.
De qualquer forma, o PL nº 1.087 pode ser um mecanismo na direção de um sistema tributário mais progressivo e equitativo no Brasil. No entanto, o fato de a mudança do PL ter sido construída por conta de uma necessidade de subsidiar outras desonerações ficais e não ser feita de uma forma mais estruturada com relação a uma eventual reforma tributária da renda, ou mesmo uma reforma da tributação da folha, causa algum desconforto. Mas é o que temos para o momento.
Se houver formas de automatizar o cálculo do redutor, diminuir potenciais erros a esse respeito e fortalecer a conexão da tributação dos lucros e dividendos olhando a carga tributária conjunta das pessoas jurídicas e das pessoas físicas, a proposta do PL nº 1.087 (ou mesmo do PL nº 1.952) pode ser uma evolução pertinente para que as mudanças sejam vistas um pouco mais abrangentes.
Fonte: Mattos Filho
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